22 de jun. de 2015

Miséria: Missinho e a dor de conviver com a paraplegia e os ratos




Do Diário de PE


Uma a uma, aquele rato faminto roeu-lhe as pontas dos dez dedos dos pés. Compartilhavam o cômodo da frente da casa de sua irmã há alguns dias. Tempo suficiente para o impulso da fome do animal superar o medo do contato com Messias Manuel Antônio da Silva. Missinho, 21 anos, não sentiu nenhuma das mordidas porque três meses antes sofrera uma lesão irreversível na coluna ao despencar de um pé de azeitona. Por isso, o roedor se alimentou sem interrupção dos dedos sem vida de Missinho. E da miséria.



Partindo do centro do Recife, não é necessário muito mais que uma hora para chegar até a casa onde Missinho mora com a irmã, dentro da propriedade do engenho Macujé, zona rural de Jaboatão dos Guararapes. A sensação, porém, é de uma viagem no tempo. Para um período no qual alguém servir de alimento para um rato pudesse ser considerado algo plausível. Num instante, o asfalto é substituído por uma via de barro que corta um canavial que se estende por todas as direções. A partir daí, os celulares, sem a cobertura da rede, perdem suas funções, e a cada bifurcação do percurso, cresce a incerteza sobre o caminho correto.




Depois de muita lama e algumas orientações, o cenário bucólico da vila formada basicamente por casas de taipa, um campinho de futebol e o posto de saúde entrega uma frágil sensação de bem estar. Mas não é preciso muito para enxergar a realidade. Apesar da fachada zelosamente caiada de branco que a distingue das demais, a casa de Margarida da Silva, irmã de Missinho, não oferece muito mais que abrigo aos seus cinco habitantes. O chão frio e cru, pisado por pés descalços de crianças curiosas com a presença da equipe de reportagem, não deixa qualquer dúvida disso. Nos fundos, onde as filhas de Margarida brincam entre o lixo entulhado, um córrego recebe o esgoto das casas e escancara o desamparo daquelas famílias.



Filho de um catador de papelão e uma dona de casa, Missinho decidiu se mudar do Cabo de Santo Agostinho para o engenho Macujé quando sua irmã mais próxima casou com um trabalhador da propriedade. Apesar de ter passado os anos anteriores na cidade, Missinho e os irmãos cresceram no campo. "Ele sempre gostou de trepar em árvore. É que a gente morou num sítio, antes de a prefeitura desapropriar a área. Depois disso, meu pai virou catador", explica Margarida. 

No dia da queda que transformaria a vida de ambos para sempre, ela e Messias ainda lidavam com o luto pela morte da irmã mais velha, vítima de um enfarte oito dias antes. "Eu tinha saído com minha menina mais nova, aí a gente passou embaixo de um pé de azeitona e ela começou a catar as que estavam no chão", lembra Margarida. Quando encontrou as duas, Missinho decidiu subir na árvore e apanhar uns frutos para a sobrinha nos galhos mais altos. "De repente, a vista escureceu e eu caí. Bati com a coluna na raiz e quando tentei me levantar, não consegui", lembra.

Operado dias depois no Hospital da Restauração, Missinho ainda prefere não acreditar no diagnóstico de paraplegia irreversível e segue fazendo planos para quando voltar a andar. "Quero voltar a fazer as minhas coisas. Trabalhar, comprar uma casa pra mim", conta. Mas por enquanto, precisa se adaptar a uma realidade ainda mais dura do que aquela que conhecia. Após esses três primeiros meses, ele ainda depende da irmã para tudo, já que agora somente o salário do marido de Margarida e o Bolsa Família sustentam as cinco pessoas. Desta forma, uma cadeira de rodas é um "luxo" do qual Messinho não pode usufruir, apesar de sonhar diariamente com uma para poder se locomover melhor.

Além disso, Messias ainda não conseguiu provar ao INSS que preenche os requisitos para se aposentar por invalidez. "A gente foi no posto no início do mês com os laudos e tudo, mas a mulher de lá (do INSS) disse pra eu voltar a estudar", explicou. Enquanto isso, ele precisa lidar com todos os tipos de feridas abertas pela miséria. No seu passado, no seu corpo e no seu futuro.



Quem tiver interesse em ajudar, pode ligar para a redação do Diario no número (81) 2122.7555, já que não há como entrar em contato direto com Missinho e sua família.

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